Wanda Cunha, escritora maranhense
Aqui, engraxam-se sorrisos
Textos
O FUNCIONÁRIO PÚBLICO E O APOSENTADO.
Wanda Cristina

No ônibus, o aposentado esbaforido aventurou uma conversa:
- Não gosto de entrar pela frente. Prefiro pagar a passagem. Mas não é que o motorista não abriu a porta detrás?! Entrei pela frente e, ainda assim, paguei a passagem.
O funcionário público esboçou um sorriso:
- há muito que os passageiros estão entrando pela frente. E o senhor, como é idoso, nem precisava pagar passagem.
O velho falou indignado:
- Essa carteira de idoso é outra molecagem. Vejo um bando de cara  lambida, com menos de 65 anos, de carteirinha falsa, dando uma de idoso. Aí, os bacanas dizem que vão fazer fiscalização nos coletivos. Eles devem fiscalizar é lá, no órgão emissor. Também pudera!... Aqui neste país, nunca se corta o mal pela raiz.
- Tem razão. O que há de gente com carteira falsa!... Gente que nem completou o tempo de serviço para a aposentadoria. – rematou o mais novo.
O aposentado ponderou:
- Por falar em aposentadoria, meu filho,  com a nova reforma, o Brasil vai ficar sem aposentados. O trabalhador vai morrer antes de adquirir o tempo de serviço estabelecido para se aposentar. Não há quem resista a tantos anos de trabalhos e migalhas previdenciais. Pode ficar certo: eu, por exemplo, na condição de aposentado, sou uma espécie em extinção.
- Esse é o Brasil que vai pra frente – ironizou o funcionário público.
O aposentado  não estava à vontade no coletivo. Parecia não sair de casa há muito tempo:
- O país não vai pra frente, não. Vai para trás. Até no ônibus.  Agora a gente entra no ônibus, o ônibus anda pra frente e a gente anda para  trás? Dá pra ficar tonto, não dá?
O mais novo galhofou:
- Garanto-lhe que não é falta de costume. Por isso, o brasileiro é um tonto.
- A gente também vai se acostumar a descer na Deodoro pra chegar até a João Lisboa?
O funcionário voltou a sorrir:
- Essa medida, pra descongestionar o trânsito da Rua da Paz, foi implantada há muito tempo, vovô.
- Quer dizer, então, que devolvem a paz da rua e tiram a nossa paz?
- Andar faz bem ao coração – retrucou o mais novo.
- É que eu não ando com o coração, meu filho, eu ando com as pernas. E elas, desde que tive esipra, não aguentam subir e descer ladeiras.
O aposentado entremeava a conversa com o que lia nos jornais:
- Bem que eu disse!... Lula ganhou todo mundo no papo, e a reforma da previdência tá indo de vento em popa.
- O funcionalismo público está ferrado!... lamentou o mais novo.
O velho deduziu lucidamente:
- Pra ele, funcionário público nunca foi trabalhador. O funcionário público, ele já mandou para a Cucuia.
- Nem diga! Sou funcionário público.
- Pois não deveria ser. Deveria ser torneiro mecânico. De preferência, sem curso universitário.  
O senhor é irônico – concluiu o mais novo.
- Irônico, não! Sou aposentado. Acreditei em Getúlio, votei na vassoura de Jânio e assistir às histórias de todos os generais. Ademais, fui funcionário do Ipase, do Iapas, do Inps, do Inss, do Inamps...Acabaram com tudo. Acho que os políticos pensam que os órgãos públicos são como os partidos. E, aí, eles tiram partido disso. Na época em que eu trabalhava no INAMPS, descobriram fraude lá dentro. Acabaram com o INAMPS e conservaram a fraude. E tudo se repete.
- O senhor é quente, hem?
- Que nada! Quando a gente se aposenta, até a mulher quer ser pensionista. Ainda bem que você não vai se aposentar antes de morrer, meu filho. Você vai evitar muitos transtornos. Já imaginou sua mulher na cama: aposentado, vem deitar! E o aposentado ali, deitadinho... A mulher do caixa diz: senhor, a sua posentadoria não subiu.  A netinha: vovô, sua bengala caiu.  E a vizinha: amigo, seu cabelo tá caindo...  Com a aposentadoria tudo cai...
O aposentado interrompe o assunto. Dá um ar de gracejo. Informa o que lera no jornal:
- E, por falar em cair, a esperança do povo vai cair de novo. Vem mais bomba por aí, mais conta para o cidadão de bem pagar no lugar da elite. Agora é a vez de reforma tributária.É marcação acirrada. A minoria privilegiada faz os débitos, e o povo é quem paga.
O Barnabé chama a atenção para a parada:
- Estamos na Deodoro, vovô.
O velho argumentou, embrenhando nas letras garrafais:
- Já estamos na de Deodoro há muito tempo, meu filho, há muito tempo.


Wanda Cunha
Enviado por Wanda Cunha em 22/07/2010
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