Wanda Cunha, escritora maranhense
Aqui, engraxam-se sorrisos
Textos
No Dia do Pagamento

Wanda Cunha


Sexta-feira. O dinheiro do servidor público do estado estava na conta-salário. Era pouco, mas era com ele que eu pagava meus débitos e procurava me manter. Naquela época, não havia cartão de débito, e o barnabé teria que enfrentar filas quilométricas em frente da Agência Pagadora, do finado Banco do Estado do Maranhão, ali, na Rua Portugal, no Centro Histórico de São Luís, para sacar todo o seu dinheiro. Como não dava pra eu pagar conta alguma, eu já sabia que teria que guardar meu salário na melhor conta-poupança da época: debaixo do colchão. Mas eu só iria chegar à minha casa lá para as 23h.

Na sexta, era de praxe filar o jantar na casa de mamãe, no Monte Castelo. Lá pelas bandas das 22h, percebi que era a hora de ir pra casa, então tomei o rumo da parada de ônibus da antiga Escola Técnica, hoje IFMA. O ônibus demorou a passar. A parada começava a ficar vazia, e eu começava a ficar com medo de ficar sozinho ali; medo de que eu fosse assaltado, e o ladrão levasse meu humilde salário. Mas!.... Graças a Deus!... Ali, vinha meu ônibus. Ele estava relativamente vazio.  Fiz parada com o braço direito. O motorista parou bruscamente pra atender ao meu chamado. Assim que entrei no ônibus...

...Olhei um cara de um metro e noventa e tanto, com um revólver em punho... Estava na borboleta assaltando o cobrador. Depois,   girou bruscamente a catraca e começou a assaltar os passageiros que estavam na frente. Nessa época, a catraca ficava na traseira do coletivo. Lá na cozinha do ônibus, ainda no degrau da porta, eu rezava um Pai-Nosso, assistindo a toda a cena. Mulheres que tentavam gritar tinham o revólver apontado para a cabeça. O motorista gritou para que os passageiros não reagissem. Fez-se um enorme silêncio de pânico, enquanto só o ladrão falava intimidando os presentes, levando tudo que os passageiros traziam em suas bolsas. Até os relógios de pulso, pulseiras, anéis...tudo!...

O motorista nervoso, não se deu conta de que a porta detrás permanecia aberta. Eu ali, escondidinho, só me lembrava do meu salário, parco salário, e de minhas contas pra pagar... “Se eu subir, esse bandido vai me assaltar” - pensei. Ali, no semáforo em frente do Hospital Aldenora Bello, dobrando para a  avenida que dá acesso à Alemanha, nem esperei o ônibus parar.... Saltei!....  Ainda bem que não vinha carro atrás. Saí rolando no asfalto. Mas o estrago foi muito!... Estava todo cheio de hematomas, a pele comida pelo asfalto, minhas roupas ficaram rasgadas e até minha carteira de couro, onde eu guardara meu salário, chegou a sofrer um pequeno estrago. Mas não era tempo pra me maldizer, era tempo de correr. Corri de volta para o Monte Castelo, para a parada do IFMA... Queria mesmo correr para a casa de mamãe, de onde eu nunca devera ter saído...

Nunca corri tanto em minha vida. Eu corria e olhava pra trás. Que susto! O coração batia forte. Nessas olhadelas que eu dava para trás,  avistei  a silhueta do ladrão andando em minha direção com  as mãos nos bolsos. Ele não corria, mas andava apressado. “Meu Deus, o que vou fazer?!! Lá vem o bandido em minha direção”, pensei nervoso.  Quando cheguei na parada do IFMA, não havia uma viva alma. Eu estava cansado!... Desolado! Sentei no meio-fio cabisbaixo, eu estava vencido, aguardando o assaltante. Em questões de segundo, ele jogou o revólver nos meus pés, como se me desse uma esmola, e correu pro rumo do centro da cidade. Deus ouviu minhas preces. Peguei o revólver que o ladrão jogara sobre os meus pés... O revólver era de brinquedo.

Wanda Cunha
Enviado por Wanda Cunha em 24/01/2017
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