Achado ou perdido? – Wanda Cristina
Era dia de consulta. Chegamos ao prédio do consultório da pediatra de minha filha. Assim que passamos pela portaria, avistei no chão, próximo ao elevador, umas notas de reais amarradas a uma liga... Olhei para todos os lados pra ver se alguém também contemplava o achado. Não havia ninguém. Só nós duas: minha filha de onze anos e eu. O porteiro estava de costas pra nós e de frente pra rua.
Agachei-me. Peguei o bolo de dinheiro. Era um bolo de notas de cem reais. Deduzi que ali estava o salário de alguém que o perdera por distração. Apertei o bolo na mão com certa força. A minha cabeça virou um turbilhão de perguntas: quem perdeu essa grana? Terá sido a velhinha que avistei entrar no prédio antes de mim? Coitadinha dela, tão velhinha e sem dinheiro!... Ou... Será dinheiro roubado que o ladrão não teve tempo de levar? Será grana que seria pra pagar a alguma prestação e que o office-boy deixou cair distraidamente? Será isso? Será aquilo? Será que eu devo ir atrás do dono? Será que eu devo embolsar o dinheiro que não é meu?
Minha filha olhava pra mim e para o bolo de dinheiro que eu trazia na mão. Ela sabia que o dinheiro não era meu. Parecia me interrogar: “a senhora vai fazer o quê com esse dinheiro que não é seu?”. Foi então que percebi que eu também teria que dar um bom exemplo à minha filha e tentar restituir o dinheiro ao seu verdadeiro dono.
- Vou atrás do dono e devolver o dinheiro a ele. É isso que se deve fazer nessas circunstâncias – falei nervosa à minha filha.
O caso pra mim era sério, porque eu sempre me achei uma mulher muito honesta, mas, por outro lado, estava necessitada: contas pra pagar, cartão de crédito atrasado; o marido ficara desempregado, meu salário era pouco... Aquele achado chegara em boa hora.
Pensei, pensei... Concluí: vou atrás da velhinha e entregar-lhe o dinheiro. Acho que o dinheiro é dela, coitadinha!... Foi quando, incisiva, minha filha me olhou com os olhos arregalados:
- Como saber quem é o dono?
- Vi uma velhinha entrando no prédio antes de mim, só pode ser ela a dona do dinheiro.
- E se não for? – indagou minha filha.
- Se o dinheiro não for dela, ela vai dizer que não é dela.
- E aí? – continuava minha filha – A senhora vai fazer o quê?
Minha filha parecia me imprensar na parede para que eu tomasse uma decisão plausível. Foi aí que resolvi voltar à portaria do prédio e entregar o dinheiro ao porteiro:
- Senhor, achei este dinheiro ali, próximo ao elevador. Vi uma velhinha entrando antes de mim. Creio que seja dela. Por favor, faça este dinheiro chegar ao seu legítimo dono. Pode ser?
- Sim, senhora! – falou o porteiro segurando a grana sem olhar nos meus olhos.
Minha filha e eu prosseguimos o nosso caminho: fomos ao pediatra e voltamos pra casa.
No almoço, eu estava silente. Não sabia se havia tomado a decisão correta. Talvez, o correto seria eu mesma ter ido atrás da velhinha, de andar a andar do prédio...
O marido interrompeu meus pensamentos:
- Estás pensativa. Aconteceu alguma coisa?
A filha respondeu por mim resoluta:
- Ela achou um bolo de dinheiro no chão e deu ao porteiro do prédio do consultório. Ela quis ser honesta, mas acho que ela foi burra. Ninguém acha dinheiro e dá pra outra pessoa, ainda mais quem vive dizendo que não tem dinheiro, como a mamãe. Acho que o dinheiro caiu do céu pra ela, e ela jogou fora.
Do livro NO SEMBLANTE DO COTIDIANO, RISOS DE MARÉS E LÁGRIMAS DE UM SOL-POSTO