Carlos Cunha foi o fundador da Academia Maranhense de Trovas e seu primeiro presidente. Também foi o primeiro delegado da União Brasileira de Trovadores (UBT) no Maranhão.
O professor, escritor, jornalista e historiador maranhense Carlos Cunha foi um dos grandes representantes da poesia popular no Maranhão e um grande incentivador das artes de sua terra natal, bem como um propagador de novos talentos. Fundou o Instituto Lourenço de Moraes, mantenedor do Colégio Nina Rodrigues, uma escola sediada na rua do Sol, em São Luís do Maranhão, que tinha como objetivo levar ensino de qualidade a jovens carentes; fundou o jornal Posição, cujo slogan era “o jornal que não suja as mãos nem a consciência” e, também, a Academia Maranhense de Trovas (AMT), da qual fora seu primeiro presidente.
Em 1970, Carlos Cunha publicou a obra Eu e a Academia Maranhense de Trovas, seu terceiro livro, que é um verdadeiro registro de nascimento da trova no Maranhão, no qual expõe o estatuto da Academia, os principais artigos que fizera em prol de sua fundação e algumas de suas produções como trovador.
É nessa obra que Carlos Cunha faz um relato do nascimento da trova no Maranhão e registra cronologicamente todas as atividades que marcaram o nascimento da AMT, também denominada Casa de Catullo da Paixão Cearense. A título de ilustração, a trova é um poema de forma fixa de quatro versos, cada um com sete sílabas poéticas em que o primeiro verso geralmente rima com o terceiro e o segundo sempre rima com o quarto.
A ideia do nascimento da AMT surge em meados da década de sessenta, quando Carlos Cunha foi a Bahia fazer um curso de cabo. Lá, conheceu as maiores expressões da literatura baiana. Entre esses intelectuais, a produção da trova era constante, porque fruto de uma manifestação folclórica do Nordeste brasileiro. Em retornando ao Maranhão, trouxe na bagagem a necessidade de semear a produção da trova na terra gonçalvina.
Assim, Carlos Cunha usou a sua pena de jornalista para convocar todos os trovadores, por meio da imprensa, para uma sessão na qual seria estabelecido o movimento dos trovadores maranhenses. Dessa iniciativa, ele, Virgílio Domingos Filho, Carlos Cardoso e outros fundaram a Academia Maranhense de Trovas da qual – como já dito – Carlos Cunha fora o seu primeiro presidente. A instituição foi fundada no sábado do dia 07 de dezembro de 1968, às 15h horas, na Rua do Sol. No dia 03 de maio do ano seguinte, na sede da Academia Maranhense de Letras, na Rua Cel. Colares Moreira, 84, em sessão solene presidida pelo então governador do Estado, José Sarney, e secretariada pelo poeta-trovador Carlos Cardoso, a primeira Diretora da AMT fora empossada: Presidente: Carlos Cunha; Vice-presidente; Lourenço Porciúncula de Moraes; 1° Secretário: Carlos Cardoso; 2° Secretário: Nicanor Azevedo; Tesoureiro: Antônio Alves Monteiro e Bibliotecário: Virgílio Domingues da Silva.
A AMT, a partir de então, continuou a receber, nos seus quadros, ilustres trovadores, da essência de Conceição de Maria Gomes de Oliveira, Antônio Alves Monteiro, Vicente Maya, Olímpio Cruz, Florise Pérola Castro Vasconcelos, Dagmar Desterro e Silva, Emilio Azevedo, Fernando Viana, Sá Vale Filho e outros.
Florise Pérola (apud CRISTINA, 1999, p.12) em matéria publicada exclusivamente pelo jornal “Atos e fatos”, informa que, naquela época, para ocupar uma cadeira da Academia Maranhense de Trovas, o Candidato teria que escrever cem trovas, as quais seriam julgadas por um dos membros da entidade. As cem trovas de Florise deram-lhe o passaporte para entrar na Casa dos Menestréis. Ao elaborar seu discurso de posse, por intermédio do qual fizera elogio ao seu patrono, Florise Pérola encontrou, entre os alfarrábios da Biblioteca Pública “Benedito Leite”, um tesouro literário inestimável: o terceiro canto de “Clara Verbena”, obra que imortalizou Gentil Braga, seu patrono na Academia.
No início da década de setenta, os trovadores fundaram o jornal “O Coruja” e “ Cantinho do Trovador”, seção dominical do jornal “O Imparcial”, por intermédio dos quais divulgavam o espírito do movimento. A entidade ganhou respaldo em outros Estados. Seus representantes passaram a participar de eventos trovadorescos fora do Maranhão, trazendo vários diplomas de honra ao mérito pelas trovas apresentadas.
Quando da comemoração do Dia do Trovador, em 18 de julho, organizavam-se caravanas de menestréis, que percorriam, em festivais, vários municípios maranhenses, dentre os quais Barra do Corda, Coroatá, Codó, Caxias, Timon e a cidade vizinha, Teresina. Ainda no início de 70, Carlos Cunha foi eleito Delegado da União Brasileira dos Trovadores no Maranhão. Tomou posse no dia 23 de março de 1971, quando o presidente da União Brasileira de Trovadores, Luiz Otávio, cognominado o “príncipe dos trovadores brasileiros” instalou a UBT de São Luís, dando posse à diretoria da União. Na oportunidade, Luiz Otávio proferiu palestra cujo tema foi “A importância da trova na Literatura Brasileira”.
Sobre o trovador Carlos Cunha, escreve Félix Aires (apud CUNHA, [197-], p.7-9), no prefácio da obra Azulejos e Vitrais, de Carlos Cunha, feito em um único exemplar, em datilografia.
“A trova pode inspirar um belo feito, serenizar uma alma prevenir um cometimento, avisar a sociedade, auxiliar o regime, porque significa a preferência do público, porque não toma o precioso tempo de ninguém. Sintetiza um mundo de coisas, na insignificância e suas quatro linhas, arma com isso a urna dos nossos votos mais altos e elege somente os mais dignos! A trova requer uma linguagem própria, uma suavidade que só a inspiração sabe ensinar”. (..) Carlos Cunha é o marco que separa dias épocas literárias no Maranhão. Antes dele não existia esse movimento de renovação. Valores isolados se distanciavam, nem mesmo havia a comunhão que hoje se distingue, a força que ora se prepara, o reduto que se adestra uníssona, construindo o seu tempo. Jovem, vibrante, rebelde, incontestado – um agitador – poder-se-ia dizer, mas, oportuno e construtivo. Às vezes briga pela rutilância do bom nome da terra amada. Quebra lanças pelos companheiros. Mete a mão no bolso e paga as despesas. Constrói oportunidade e defende causas. Grita e abre caminho, da mesma forma que concorda e harmoniza atividades. Vale-se do verbo e faz o diálogo. Capaz de encomendar as flores todas dos jardins maranhenses para enfeitar sua deusa. Jovem, aprende; professor, ensina; poeta, canta; jornalista, discute; declamador, surpreende! Cavalheiro, honra sua geração, a que ele chama de maior, sem demolir os novos valores, porque conhece a humildade, e sabe do que sempre acontece ao que se exalta. O equilíbrio está na sensatez que forma virtude.
Da obra trovadoresca de Carlos Cunha, extraem-se os versos de quem tanto amou São Luís (CUNHA, [197-],p.15), ilhando-a em sua própria alma:
“Não choro as mágoas da vida,
prego o amor, canto demais
e tenho o canto bordado
de AZULEJOS E VITRAIS”.
A trova servia-lhe de máquina fotográfica, a revelar o filme do sentimento filial que dedicava à ilha de onde nunca saíra, a não ser em excursões culturais, como observável neste texto (Id. Ibid.):
“São Luís é uma cidade
Que se veste de azulejos
O mar, quando tem saudade,
Banha seu rosto de beijos!”
Em homenagem à Clélia Lopes de Mendonça, o trovador faz estes versos mimosos (Id. Ibid. p.16), onde se verifica ainda o perfil de uma mulher a quem ele dá os traços femininos da ilha em que nasceu, cujas janelas são emolduradas de vitrais:
No teu semblante cansado
Descubro sonhos perdidos;
Belos vitrais do passado
Que foram todos partidos
Os caminhos percorridos por Carlos Cunha, dentre os quais aquele em que atuou como cabo do exército, mostram visivelmente que o seu destino de poeta já estava delineado. Não poderia fugir àquele estigma que Carlos Drummond aludia em “Vai, Carlos, ser poeta na vida”. Carlos Cunha também carregava a vida que lhe dera a trova (Id. Ibid.), sob a sina de trovador:
Pensei um dia, pensei
ser alguém, mais que doutor!
Mas Deus não quis, e eu fiquei
Como nasci: trovador.
Das folhagens de sua árvore genealógica, tira os melhores frutos para fazer a partilha à nova geração que põe ao mundo, sob a singeleza dos versos que seguem (Id. Ibid., p. 17):
A meu pai, tudo o que fiz,
Meu filho me está fazendo;
Por isso, vivo feliz,
A vida que estou vivendo.
O boêmio, galanteador, namorador, também toma às mãos os quatro versos heptassílabos (Ib. Ibid.) com os quais faz galanteios à mulher amada:
A sua bolsa. Senhora,
Mais branca do que algodão
Parece a bolsa onde mora
A paz do meu coração.
Calos Cunha transparece a sua religiosidade através de um discurso amoroso nos versos populares ( Id. Ibid., p.18):
Se Jesus visse teus olhos
Quando pregado na cruz,
Faria dos seus abrolhos
Uma coroa de luz.
O trovador lírico também enveredou pelo lado jocoso e cheio de humor que tanto há encantado, conforme demonstram esses versos (Id. Ibid.):
Quando a cobra é venenosa,
Ou mata ou deixa defeito;
Mas veneno de uma sogra,
Mata aos poucos, não tem jeito!
Ou, ainda dentro de uma abordagem filosófica (Id. Ibid., p.21) em:
O carro e a mulher bonita
Formam um conjunto perfeito;
Mas quem empresta um dos dois,
Nunca mais vive direito!
Premiado, por meio do Concurso de Jequié, Carlos Cunha deixa várias trovas sobre o grande menestrel maranhense Catullo da Paixão Cearense (Id. Ibid., 9p. 19,20,22):
Quando Catullo morreu,
Deus chorou em serenata,
Na porta grande do céu
Com mil violas de prata.
Terra, céu, noite, luar...
Catullo viveu catando!
Talvez por isso é que o mar,
Só trovas vive rezando.
Formando a orquestra do céu,
Escolheu Nosso Senhor
A lira santa de Orfeu
E Catullo, o trovador.
O poeta lírico que desenvolveu a temática do amor em vários poemas de versos livres, também esmerou-se em romantismo na trova (Id. Ibid., p.19):
Conheço um barco veleiro,
Parado no cais, sozinho;
Assim sou eu prisioneiro
No porto do teu carinho!
Carlos Cunha não esquece de cantar o sertão nordestino (Id. Ibid.,p.21) em:
O céu noturno é mais lindo
Visto lá do meu sertão.
Parece um colar luzindo
No pescoço da amplidão.
Dentro do âmbito de suas paixões mais íntimas que é o amor pela esposa e filhos, deixa os mimosos versos (Id. Ibid., p. 22,23,24):
Olhos assim como os teus,
Serenos, meigos, risonhos
Parecem feitos por Deus
Numa alvorada de sonhos.
Se brigo com Jacimira
É por amor, tão somente
Não há marido e mulher
Sem brigas constantemente
É minha a infância do mar
Num navegar de Cristinas
Os rios dormem a sonhar
Nas minhas tardes meninas.
Meu retrato muito antigo,
Cheio de vida e de brilho
Já não parece comigo
Parece mais com meu filho
Não esquece de abominar, em quatro versos, aqueles que vivem do fazer mal (Id.Ibid., p.24):
Os piores mascarados
nunca brincam o carnaval,
mas passam a vida, coitados,
na lida do fazer mal.
Mesmo na trova, deixa transparecer a propinquidade com o filho de Deus (Id. Ibid., p. 25)
“Pelo calvário da vida
também carrego uma cruz.
Tenho coroas de espinhos
só não me chamo Jesus.”
O que se observa é que Carlos Cunha foi um homem de muitas atividades artísticas, que deixou um grande legado cultural ao Maranhão, apesar de sua ligeira passagem pela vida. O trovador Carlos Cunha nasceu em 18 de maio de 1933 e faleceu em 22 de outubro de 1990, quando a Academia Maranhense de Trovas também recolheu-se a um silêncio profundo.
Wanda Cunha* é escritora (poetisa, trovadora, contista, cronista, romancista), professora, compositora, jornalista.